segunda-feira, 24 de novembro de 2025

CHAMEM A POLICIA!

Portugal é um dos países da União Europeia com o preço das telecomunicações mais alto. Enquanto na União Europeia o preço baixou 8,0%, em Portugal subiu 22,8% desde o final de 2009. Em 2023 o preço era 10,9% acima da média da União Europeia e os dados móveis eram os segundos mais  caros. O impacto desta  disparidade é ainda maior se tivermos em conta os rendimentos das famílias portuguesas que são dos mais baixos  da União Europeia!

Em Portugal o mercado é dominado por três operadores em regime de oligopólio com ofertas e preços praticamente iguais, o  que leva muitos a falarem em cartel. Roubalheira, obsceno, pornográfico, são alguns dos adjetivos que muitos utilizam para classificar o preços das telecomunicações em Portugal.

Os direitos dos consumidores têm sido progressivamente erodidos perante a  passividade dos reguladores e o poder das telecoms. Em caso de litígio o consumidor é com frequência obrigado a  enfrentar um autêntico calvário. Já as empresas seguem uma "via verde" na justiça que provoca o  "entupimento" dos tribunais. Quando são aplicadas multas, são-o por valores muito abaixo dos lucros obtidos com a infração. 

A ANACOM é a entidade supervisora das  telecomunicações e tem a promoção da concorrência como uma das suas principais atribuições. Mas também a Autoridade da Concorrência (AdC) tem responsabilidades no estado do mercado. Perante o exposto é legítimo concluir que os reguladores têm falhado. Isso mesmo afirmei  em duas recentes consultas públicas da ANACOM onde (mais uma vez) também defendi a Televisão Digital Terrestre e a introdução da rádio digital (DAB+). 

Denunciei práticas das telecoms de legalidade (a meu ver) duvidosa. Concretamente denunciei a  limitação dos direitos dos consumidores através da imposição (venda forçada) da contratação do serviço de televisão paga (TVS) em pacote a quem pretenda apenas contratar o serviço de Internet fixa, telefone fixo ou Internet fixa e telefone fixo. Para além de limitar os direitos dos consumidores e encarecer a fatura a quem não pretende o serviço de televisão por subscrição, esta prática constitui certamente concorrência desleal ao  serviço livre da Televisão Digital Terrestre.

Mais, o facto do Governo ter enviado mensagens claras aludindo ao fim da TDT certamente motivou as três telecoms a passarem a obrigar a subscrição do serviço de TV, pois essa prática apesar de ser provavelmente ilícita está em linha com a política do Governo e assim passível de não ser sancionada pelos reguladores. Aliás, o facto da ANACOM estar a permitir que tal aconteça sem aparentemente nada fazer ou dizer é um mau indicio sobre a posição do regulador.

Com a entrada da DIGI no mercado português creio que ficou também evidente que os principais operadores muito provavelmente cobraram um valor exagerado aos clientes que optaram por não subscrever pacotes sem serviço de televisão. E, se foram praticadas diferenças de preço artificialmente baixas entre os pacotes com e sem serviço de TVS (cobrando valores exagerados pelos pacotes sem TVS), muitos clientes poderão ter sido lesados. Muitos clientes poderão ter subscrito pacotes de serviços com TVS que de outra forma não seriam subscrito se a diferença de preço não fosse (alegadamente) artificialmente baixa. Isso poderá também constituir concorrência desleal à TDT. 

Por esse motivo solicitei também a comunicação destes factos à AdC e pedi a investigação do preço das telecomunicações em geral e do preço do serviço de televisão por subscrição em particular.

Em Portugal o serviço de TV por subscrição mais barato é o da DIGI e mesmo assim é 71% mais caro em Portugal do que em Espanha. Quando os operadores de TV, o Governo e a própria ANACOM vêm dando claros sinais de que se  pretende acabar com a TDT forçando todos a subscrever o serviço de TV por subscrição, julgo ser particularmente  importante averiguar o(s) motivo(s) que torna(m) o serviço de televisão por subscrição tão mais caro em  Portugal. 

Será que os canais portugueses são tão bem remunerados que encarecem de forma exagerada o custo do serviço? Será por isso que os canais FTA nacionais querem deixar de ser classificados "must carry" nos operadores? Não admira que queiram deixar a TDT, trocando uma plataforma onde têm de pagar para difundir os canais FTA por outra onde os operadores lhes pagam (aparentemente bem) para fazer o mesmo serviço!

As situações relatadas podem ser facilmente constatadas por todos, mas infelizmente parecem passar ao lado dos reguladores e da comunicação social. Tal não significa que alguma ilegalidade tenha sido ou esteja a ser cometida, mas então as leis devem ser mudadas pois a limitação dos direitos dos consumidores é evidente. O silêncio perante estas (e outras) situações que prejudicam os consumidores fazem aumentar as suspeitas de captura destas entidades pelas grandes empresas de telecomunicações. 

O mercado parece pois preso num ciclo vicioso onde empresas atuam de forma (aparentemente) concertada, cobram preços exagerados que geram grandes lucros, gastam verbas elevadíssimas em marketing e publicidade e ganham assim uma influência dominadora sobre os meios de comunicação social (mas não só) que, pelo seu silêncio, permitem que o ciclo se mantenha. 

A (in)eficácia dos reguladores fala por si. Fecham os olhos a quase tudo e quase sempre adotam posições que favorecem o poder económico, não o interesse público. Basta olhar para o vergonhoso processo da TDT, a farsa com a venda de alvarás de rádios locais e o atraso na introdução da rádio digital DAB+ que já chegou a quase toda a Europa mas não a Portugal. 

Como confiar na imparcialidade dos reguladores quando são liderados por pessoas com ligações a grupos de media por si regulados? Atualmente, uma dessas pessoas trabalhou 19 anos na SIC (grupo Impresa), esteve 5 anos na ERC e em 2025 foi nomeada vice-presidente da ANACOM pelo Governo PSD. A sua biografia aparece no site do PSD. A presidente da ANACOM é colunista do Expresso (Impresa) desde 2015 e apoiou publicamente a posição do CEO da Impresa a respeito do anúncio do fim da publicidade na RTP. Foi nomeada para o cargo pelo ex-Primeiro-Ministro António Costa. O grupo Impresa foi fundado por Francisco Pinto Balsemão, ex-deputado, ex-Primeiro-Ministro e fundador do PSD.

Mas a classe política é a principal responsável por este estado de coisas. Os políticos necessitam da comunicação social (principalmente da televisão privada) para se promoverem e elegerem. Uma vez no poder os favores são certamente pagos, mesmo que tal seja prejudicial ao país. É o chamado "pay to play". Basta pensarmos na quantidade de políticos comentaristas que graças à exposição mediática chegaram a Ministro, Primeiro-Ministro e até à Presidência da República. 

De outra forma, como  explicar os abusos recorrentes e crescentes sobre os direitos dos consumidores, o estado do mercado português de telecomunicações e dos media (televisão e rádio) em contra-ciclo com a Europa?

Apesar disso apraz-me informar que, sobre as situações relatadas pelo blogue TDT em Portugal, a ANACOM respondeu afirmando: 

«Esta Autoridade toma boa nota das preocupações concorrenciais manifestadas pelo Blogue TDT em Portugal. (...) a ANACOM continuará a acompanhar a dinâmica concorrencial nos diferentes mercados das comunicações eletrónicas, incluindo os serviços em pacote que preveem a prestação de serviços de televisão por subscrição».

É pouco. Sobre o provável atropelo dos direitos dos consumidores nada é dito. Esperemos que não sejam palavras ocas e os reguladores passem das palavras aos atos, pois de há longo tempo veem "acompanhando a dinâmica concorrencial" e chegámos a este estado. Senão, é caso para gritar: CHAMEM A POLICIA!

Os textos completos com as denúncias referidas neste post podem ser acedidos aqui e aqui. Mais denúncias aqui.

Todas as denúncias e contributos aqui.

Posts relacionados:
Portugal não é um país normal!

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Para que tudo fique na mesma!  

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Espanha reforça aposta na TDT: novo canal e mais UHD

Enquanto Portugal desistiu da TDT (só falta oficializar), que permanece com uma oferta muito limitada de canais e sem Alta Definição, Espanha continua a reforçar a aposta na TDT com alterações que permitirem a melhoria da qualidade de imagem e o aumento da oferta televisiva em sinal aberto.

De acordo com o novo plano técnico para a TDT, será progressivamente introduzida a norma de emissão DVB-T2 a qual possibilitará disponibilizar espaço para mais três canais em UHD (para a Antena3, TeleCinco e RTVE) e para um novo canal em HD atualmente a concurso. O plano será implementado em duas fases sendo a primeira destinada a fomentar a atualização tecnológica que permitirá assistir a todos os canais de âmbito nacional em UHD. A segunda fase será implementada apenas quando a esmagadora maioria dos lares estiver preparada para receber as emissões DVB-T2 UHD e permitirá a migração de todos os canais regionais e locais para UHD. O UHD ou 4K tem uma definição de imagem quatro vezes maior que o HD.

Lamenta-mos que, ao contrário de Espanha, em Portugal o serviço público (RTP) não cumpra a sua obrigação de liderar a inovação e de não discriminar os cidadãos mas tenha sim contribuído para fomentar a adesão às plataformas de televisão por subscrição ao emitir em HD nessas plataformas mas não na TDT. 

 

RTVE UHD
Em Espanha o serviço público RTVE lidera a inovação na televisão.
 

Em Espanha a sua congénere RTVE emite o seu primeiro canal (La 1) em Ultra HD desde 2024 e deverá em breve disponibilizar um segundo canal em UHD. Todos os canais de âmbito nacional e regional já são emitidos em HD.

 

UHD Spain
Consórcio UHD Spain impulsiona a televisão em Ultra Alta Definição.

Ao contrário de Portugal, em Espanha a TDT é a plataforma preferida para ver televisão e foi decretada de interesse estratégico para o país. Em Portugal a lentidão e praticamente todas as decisões tomadas pelas entidades responsáveis beneficiaram os interesses económicos do negócio da televisão por subscrição, em prejuízo do País e dos cidadãos.

 

Leitura adicional:

Plano Técnico da TDT Espanhola
Serviço Minímo: TDT está por um fio, rádio parou no tempoRTP aposta no streaming e desiste da TDT!
Para que tudo fique na mesma...

sábado, 3 de maio de 2025

DAB+ - A rádio digital terá nova oportunidade em Portugal

DAB+
A rádio digital irá ter nova oportunidade para vingar em Portugal. Após o fracasso das emissões DAB que foram encerradas em 2011, em breve será iniciado um período de teste e avaliação do sistema DAB+.
As informações ainda são escassas tendo apenas sido adiantado que o teste terá a duração de dois anos e serão utilizados dois multiplexes, um cobrirá a região da grande Lisboa e outro a do grande Porto. Os custos serão suportados pelas rádio difundidas. O anúncio foi feito pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, no âmbito do Dia Mundial da Rádio. Recordo que o blogue TDT em Portugal foi a única entidade que publicamente (aqui no blogue e através de consultas públicas) tem pedido a divulgação do DAB+ junto das rádios e o inicio de emissões em DAB+ à ANACOM e ao Governo. Portugal será um dos últimos países da Europa a iniciar emissões radio no sistema DAB+.

Como tenho dito, a introdução do DAB+ faz todo o sentido por diversos motivos: a falta de frequências do FM para as novas rádio (por exemplo, Observador e CMR), a redução dos custos de operação comparativamente ao FM e diversas vantagens técnicas como a melhoria da qualidade áudio, a possibilidade de difundir imagens e texto em simultâneo com a emissão áudio e a maior robustez do sinal.

A superioridade técnica do DAB+ tem ainda outras importantes vantagens que a qualquer momento poderão ser de grande importância na esfera da proteção civil como o "apagão" do dia 28 de Abril nos recordou. Uma está relacionada com o consumo de energia elétrica que, por ser inferior à do FM, em caso de falha de energia elétrica permite aos emissores emitirem durante mais tempo com recurso a baterias. Outra vantagem do DAB+ é a de permitir a ativação imediata de canais rádio de emergência em que não é necessário o ouvinte sintonizar o canal de emergência, os próprios equipamentos ligam-se sozinhos e sintonizam-se no canal de emergência!
 
A possibilidade de ser utilizada como rede de comunicação de emergência de forma imediata e o menor consumo de energia elétrica por si só justificam o investimento na rádio digital.

Dito isto, a forma como o teste alegadamente irá decorrer suscita-me várias reservas. Não houve qualquer consulta pública prévia. Quem vai instalar a rede? A RTP ou a Altice/MEO? Também,  para avaliar devidamente o sistema seria necessário ativar mais emissores, pelo menos ao longo do litoral que é a zona mais afetada por variação das condições de propagação. E também porque o maior público da rádio são os automobilistas e atualmente praticamente todos os recetores em uso capazes de receber o DAB+ são os auto-rádios, deveriam ser ativados emissores de forma a permitir a receção das emissões DAB+ ao longo de (pelo menos) a autoestrada A1!

Outra preocupação diz respeito às rádios que irão ser difundidas nas emissões teste. Seria um grande erro disponibilizar apenas as rádio públicas. A oferta de rádio deverá ser diferenciadora relativamente ao FM com todas as rádios de âmbito nacional (RDP, RR, RFM, Comercial, TSF, Observador) mas também novos canais de forma a cativar os ouvintes. De outra forma acontecerá como com a TDT no período pré-desligamento, emissores no ar mas praticamente ninguém a utiliza-la. E é feita referencia a dois multiplexes, um em Lisboa e outro no Porto. Terá o Secretário de Estado confundido multiplexes com emissores? Dois multiplexes normalmente pressupõem emissões com oferta de rádios diferentes em cada um deles. 
 
Enfim, há ainda muito por esclarecer mas o anúncio do inicio de emissões teste em DAB+ é uma excelente notícia. Esperemos que o processo seja conduzido de forma séria e competente para que não termine noutro fracasso digital.
 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Contrato de concessão do serviço público de rádio e televisão "empurra" a RTP para a saída da TDT

O contrato de concessão do serviço público de rádio e televisão esteve em consulta pública. O blogue TDT em Portugal voltou a participar enviando um documento onde abordou o estado da Televisão Digital Terrestre e da rádio e propôs soluções.

Resumidamente, criticámos a falta de transparência da proposta. O orçamento proposto para o serviço público carece de qualquer esclarecimento, desenvolvimento ou justificação dos valores. Criticámos também a ausência de discriminação entre os serviços de televisão, rádio e online e dos gastos por programa/canal.

Apesar da ausência de qualquer fundamentação, a apreciação dos valores fornecidos permite identificar uma realidade confrangedora do estado do nosso serviço público. Assim: 

  • Os gastos com pessoal representam cerca de metade da totalidade dos gastos;
  • Os gastos com pessoal são consideravelmente superiores aos custos com a programação;
  • Os custos com programação representam apenas 31% da totalidade dos custos;

A titulo indicativo, o serviço público da BBC gasta cerca de 70% em programação e os gastos com pessoal representam apenas cerca de 25% do total dos gastos.

Diretamente nada é dito a respeito da Televisão Digital Terrestre. No entanto, na proposta o Governo autoriza a RTP a “proceder ao lançamento e ao encerramento de serviços de programas televisivos e radiofónicos” e dita que deverá focar-se nos serviços audiovisuais a pedido. Ou seja, tendo em conta o que se propõe no contrato e declarações anteriores, o Governo poderá estar a utilizar a RTP para (de forma encapotada) levar à sua saída da TDT, o que inevitavelmente ditará ao fim da mesma, algo que já foi pedido pelos operadores privados.

Criticámos também a ausência de propostas relativamente à rádio, nomeadamente o silêncio a propósito do DAB. Recordámos a falta de frequências livres no FM e a evolução muito positiva das condições necessárias para o lançamento do sistema DAB+ com sucesso.

O contributo completo pode ser consultado aqui.

Leitura adicional:

Serviço Minímo: TDT está por um fio, rádio parou no tempo
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TDT Portuguesa - Que futuro?
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